O site da Funalfa estreia hoje uma série de textos da filósofa, professora e comunicadora popular Adenilde Petrina Bispo sobre a caminhada do povo da periferia do Bairro Santa Cândida que, pela força das mulheres, descobriu a chegada do tempo de uma vida mais digna.
Parte 1: O começo
Por Adenilde Petrina Bispo*
Por volta do ano de 1965, começou a se formar o Bairro Santa Cândida, na periferia da cidade de Juiz de Fora. Muitas famílias compraram a prestação seus lotes, construíram suas casas por ser mais perto do centro da cidade e perto do trabalho, ou vieram para fugir do aluguel. Vieram famílias de trabalhadores rurais em busca de uma vida melhor e outras para a sonhada casa própria. Nessa leva, a minha família.
Santa Cândida era um bairro onde ruas foram abertas num pasto, sem planejamento. Não tinha água, luz, esgoto, não tinha igreja, não tinha escola, mas tinha muito desejo de mudança, porque, afinal, as famílias se sentiram merecedoras de uma vida mais digna. Assim começou a construção coletiva de uma grande caminhada feita de uma luta dura, sem fim, feita de sonho, coragem, decepções, mas de muita disposição.
Mulheres à frente. Por quê? A casa era trabalho de mulher. De mulheres que eram identificadas pelo nome do marido, do pai, do filho mais velho ou do homem da casa:
“Você conhece a Maria?
Que Maria?
A Maria do ‘sô Marcelino’”.
As mulheres arregaçaram as mangas e, conversando sobre as necessidades e as dificuldades do bairro, se organizaram em uma associação denominada Sociedade Pró Melhoramento (SPM) do Bairro Santa Cândida, tendo à frente a Dona Aparecida do “Sô” Sabino, uma mulher corajosa, decidida e disposta que ajuntou as mulheres do bairro (os homens também puderam participar, mas com as mulheres à frente) na luta por água, esgoto, luz, calçamento das ruas… Havia festas organizadas para arrecadar fundos para movimentar a luta. Ah, tinha a participação dos jovens, das crianças e dos mais velhos, cada qual dando sua contribuição.
Depois de anos de muitas lutas, complicadas pela ditadura militar, conseguimos água, luz, esgoto… Faltava mais o quê? Uma Igreja, para celebrarmos nossas vidas, um lugar para fazer reuniões e as festas da SPM. Conseguimos o salão da SPM. Conseguimos, depois de muita luta, o terreno onde a comunidade começou a construção do salão de reunião das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Sem esquecermos a escola para o bairro: as mães dormiam nas filas de escolas por perto para, quase sempre sem sucesso, matricularem seus filhos. Foi uma luta grandiosa articulada por moradoras, moradores e as CEBs, onde, com base nos Evangelhos, refletíamos sobre nossa vida, nossas dificuldades, nossas necessidades, o que nos impedia de ir para frente e as estratégias para vencermos as dificuldades. Foi assim, na caminhada coletiva, que nos politizamos. Era por volta de 1984 quando apareceu um político oportunista, cheio da lábia, que conseguiu convencer o povo a trocar o terreno da Igreja com o local onde a SPM se reunia, para que a Igreja fosse construída no lugar onde funcionava a SPM. Triste decisão… mas conseguimos construir a Capela.
As Comunidades Eclesiais de Base deram origem ao jornal da Comunidade, à descoberta do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, à criação do Grupo de Teatro “Nóis Todos!”, em que estudávamos, criávamos peças curtas de teatro como forma de comunicação, informação, conscientização e diversão. A ideia do teatro se espalhou para outras comunidades próximas. Foi muito bacana. Foram tempos maravilhosos de muita criatividade. E aprendizado.
*Adenilde Petrina Bispo é filósofa, professora e comunicadora popular. Foi uma das criadoras da Rádio Mega FM e do Coletivo Vozes da Rua. Atualmente é também assessora especial da Funalfa para Interlocução e Valorização da Cultura Popular
 
								 
		 
							 
							 
							 
															 
															 
															